Artigos
Protegido pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998 - Lei de Direitos Autorais

Sobre o autor:
Divanir Marcelo de Pieri:  é Advogado,  Mestre em direito pela UNESP, campus de Franca, na área de concentração: Direito das relações sociais: direito das obrigações, sub-área de Direito Processual Civil. Especialista em Direito Civil pela UNISUL. Professor de Direito na UNIC unidade de Primavera do Leste-MT.

 

 

A concessão da tutela antecipatória “inaudita altera pars” e a colisisão de direitos constitucionais fundamentais

 

I - INTRODUÇÃO:

 

Versa o presente trabalho, sobre Acórdão emanado da 1a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso e publicado na Revista dos Tribunais, n. 735, em janeiro de 1997, pp. 359 a 363, cujo voto do eminente relator Des. Salvador Pompeu de Barros Filho foi acompanhado,  na íntegra, pelos demais componentes da douta T. julgadora, manifestando-se, resumidamente, da seguinte forma, sobre a polêmica questão da concessão da Antecipação da Tutela “inaudita altera pars”:

“ANTECIPAÇÃO DA TUTELA - Concessão antes da citação - Impossibilidade - Inteligência do art. 273 do CPC - Admissibilidade somente nas exceções do art. 461 do mesmo estatuto processual.

Ementa Oficial: O nosso ordenamento jurídico acolhe, por regra constitucional, o respeito ao devido processo legal. Como exceção a esse princípio, em determinadas situações, a lei processual admite a concessão de liminares inaudita altera pars. Expressamente, o instituto criado pelo art. 273, do CPC, não menciona a possibilidade de concessão liminar, antes da citação. Em se cuidando da antecipação da tutela, somente no art. 461 é que se vislumbra essa possibilidade e que, obviamente, não é o caso dos autos. A antecipação da tutela, antes da citação, será viável somente em casos que, por sua especialidade, exijam do julgador uma tal providência. AgIn 6..380 - 1a Câm. - j. 12.08.1996 - rel. Des. Salvador Pompeu de Barros Filho.” (RT-375 - janeiro de 1997 - 86o ano)

Não só pela Ementa Oficial, como também pelo que consta no bojo do voto prolatado pelo douto Desembargador, torna-se evidente o posicionamento deste r. julgado, como sendo contrário à concessão do novel instituto da Tutela Antecipatória antes da citação do réu, o fazendo com base nos argumentos sinteticamente expostos a seguir:

a)    O ordenamento Jurídico brasileiro assegura expressamente o direito ao devido processo legal, impedindo dessa forma o deferimento da prestação jurisdicional antes do amadurecimento do processo. Contudo, embora de maneira excepcional, no intuito de garantir a efetividade do processo, permite-se a concessão de medida liminar, desde que haja autorização expressa do legislador;

b)    A liminar cautelar que, na maioria dos casos, está ligada com a garantia da efetividade do processo, é totalmente distinta do adiantamento do mérito que ocorre na Tutela Antecipatória,, sendo que, com base em Reis Fried, “Tutela Antecipada, Tutela específica e Tutela Cautelar”, que afirma que a Tutela Antecipatória prevista no art. 273, do Código de Processo Civil, só pode ser deferida após decorrido o prazo de resposta do réu, e não inaudita altera pars,  e, tendo em vista as lições do Mestre Calmon de Passos no sentido de que ‘inexiste possibilidade de antecipação da tutela, no processo de conhecimento, antes da citação do réu e o oferecimento de sua defesa ou transcurso do prazo para ela previsto. Destarte, contestado o feito, ou há providências preliminares a serem tomadas, e antes delas serem cumpridas impossível a antecipação (o processo está em fase de regularização), inclusive quando consistirem no que prevêem os arts. 326 e 327 do CPC, ainda quando nada obste postule também, o autor, no momento em que fala sobre as preliminares argüidas  pelo réu, em peça autônoma, com a fundamentação adequada, a antecipação da tutela’, deve-se concluir que, quando se cuida de medidas cautelares, o legislador fez previsão expressa da possibilidade de concessão liminar sem a audiência da parte contrária, enquanto que, em relação Tutela Antecipatória, o legislador não visa a garantia da efetividade processual, mas sim, diante da prova inequívoca do direito pleiteado, adianta desde logo a prestação jurisdicional. Assim, a concessão da Tutela Antecipatória é muito mais séria e de muito mais responsabilidade que a de uma medida liminar, de modo que, embora deva-se buscar a celeridade processual, isto só deve ocorrer em casos excepcionais onde estejam literalmente provados os requisitos da lei, sendo que, no curso da ação, já com contestação feita pelo réu, terá o Juiz melhores condições para aquilatar da necessidade ou não da antecipação da tutela.

c)      Somente em casos especialíssimos, devidamente comprovados, como naqueles necessários à vida e à saúde, em respeito à pessoa humana, poderá haver uma antecipação inaudita altera pars, ainda que parcial.

 (...)

No comum a antecipação só será viável após o contraditório, em respeito e em homenagem à regra constitucional.

d)   A antecipação da tutela só se tornará viável, em princípio,    após os contraditório, porque nem se confunde com as medidas liminares e nem existe previsão de sua concessão sem contraditório.

Contudo, em que pese a relevância e precisão com que esses fundamentos foram elencados no r. Acórdão ora comentado, inclusive encontrando ressonância nos julgados proferidos por outros Tribunais pátrios, data venia, nos é dado discordar desse entendimento, pelos motivos que a seguir restarão explicitados.

 

II - DA COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E DA FLEXIBILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO:

 

Inicialmente, cumpre esclarecer que, inegavelmente, o princípio do devido processo legal, constante do art. 5o, inc. LIV da Constituição Federal, consubstanciado nos princípios do contraditório, da ampla defesa e da efetividade processual, constitui-se na materialização e concretização da luta social que percorreu vários séculos objetivando, a transposição do Estado despótico, totalitário e arbitrário, para um estado democrático, livre e baseado na vontade comum do povo, onde os direitos mais simples e óbvios do cidadão sejam respeitados em sua integralidade, ou seja, um Estado sem a imposição de medidas sancionatórias ou penas que venham a aviltar a presunção de culpabilidade e certeza de inocência de toda e qualquer pessoa, até que, através dos meios legais, seja provado o contrário.

Logo, além dos princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e da efetividade, serem uma garantia institucional, são também, indubitavelmente, parte da própria consciência social, devendo, portanto, (serem) respeitados para que não se retroaja na história social, política e jurídica da humanidade.

Contudo, em que pese a importância desses princípios para a garantia do perfeito e pacífico relacionamento da vida humana em sociedade, não se pode olvidar que, frente ao novo quadro social que se tem criado nas últimas décadas, decorrentes do desenvolvimento dos meios de comunicação, que tornou o contado entre as pessoas e povos de culturas totalmente distintos muito mais fácil e célere, da globalização da economia, dos intercâmbios dos mercados de trabalho e das trocas de conhecimentos,  as ciências sociais, dentre as quais destaca-se, neste momento, o Direito, necessitam trabalhar em uma perspectiva de vanguarda, para que possam suprir as necessidades da sociedade e venham a atingir os seus objetivos.

Frente a isto, tanto o legislador, como o intérprete e aplicador do direito têm-se deparado com um dilema intrigante e interessante no que se refere à prestação jurisdicional por parte do Estado, que diz respeito à chamada colisão de direitos fundamentais, tratada da seguinte forma por Teori Albino Zavascki, à pp. 61 e 62 de sua obra Antecipação da Tutela:

“A Constituição, em especial em seu art. 5o, assegura aos indivíduos, explícita e implicitamente, um significado conjunto de direitos e garantias fundamentais, que,  observados de modo abstrato em sua sede normativa, guardam entre si perfeita compatibilidade, estando todos aptos a receber aplicação a mais plena e eficaz. Todos os direitos constitucionais, sem exceção, devem ser respeitados e cumpridos, de modo a que produzam integramente os seus efeitos, mesmo porque têm aplicação imediata por expressa determinação da Carta Política (par. 1o do art. 5o). Embora pareça por demais evidente isso que se acabou de dizer, o certo é que, na prática, o atendimento absoluto e simultâneo das garantias constitucionais nem sempre é possível. Figurem-se, como exemplo, as freqüentes dificuldades - e, não raro, a impossibilidade mesmo - de assegurar convivência plena e simultânea entre o direito à intimidade da vida privada e o direito à liberdade de informação jornalística, ou da proibição de censura com o direito à qualidade da educação, e assim por diante. Esses são apenas exemplos dos muitos possíveis fenômenos de tensão entre direitos fundamentais, dos quais se originaram as chamadas colisões de direitos ou conflitos de direitos”. (grifou-se)

Em sede de direito processual, e, mais especificamente tratando da concessão de liminares “inaudita altera pars”, a questão dos conflitos de direitos ganha vulto quando se pensa nos direitos fundamentais dos litigantes à efetividade da jurisdição (direito de acesso à justiça  ou direito à ordem jurídica justa) “versus” a segurança jurídica (representada pelo direito ao contraditório e a ampla defesa), de modo que, a esse respeito, o mesmo Teori Albino Zavascki expõe o seguinte:

“Por se tratar de direitos fundamentais de idêntica matriz constitucional, não há hierarquia alguma, no plano normativo, entre o direito à efetividade da jurisdição e direito à segurança jurídica, pelo que hão de merecer, ambos, do legislador ordinário e do juiz,, a mais estrita e fiel observância. Todavia, a exemplo do que se passa em relação a outros direitos fundamentais, também entre esses podem ocorrer, no plano da realidade, fenômenos de tensão.

(...)

Em nosso sistema, com em muitos outros, a fórmula para viabilizar a convivência entre segurança jurídica e efetividade da jurisdição é a da outorga de medidas de caráter provisório, que sejam aptas a superar as situações de risco de perecimento de qualquer um desses direitos. Em muitos casos, de ocorrência corriqueira e previsível, o próprio legislador se encarregou de estabelecer o modo de solucionar o conflito, indicando expressamente a providência que para tanto julgou oportuna. São exemplos disso as situações descritas no Código de Processo Civil de cabimento de arresto, de seqüestro, de busca e apreensão e das demais medidas cautelares típicas. Assim também procedeu o legislador quando disciplinou certos casos específicos de antecipação da tutela, como nas ações possessórias e na de alimentos provisionais. Em todos esses casos, o Poder Legislativo, atuando em plano geral e abstrato, descreveu situações de fato que reclamam tutela imediata e diferenciada e, desde logo, formulou a solução que considerou a mais conveniente para atender à urgência.”

Dessa forma, transpondo essa discussão para a ceara da Antecipação da Tutela, sem pretender um rompimento com as conquistas jurídico-sociais e sem profetizar a inaplicabilidade do princípio do contraditório e da ampla defesa no recente instituto antecipatório, não há, como se poder negar, a fragilidade da argumentação contrária à concessão da Tutela Antecipatória de maneira liminar e “inaudita altera pars”, consubstanciada na ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa, vez que, com a instituição do novel instituto no art. 273 do Código de Processo Civil, tornou-se inegável a escolha, por parte do legislador, da primazia do direito fundamental à efetividade do processo em relação ao direito fundamental da segurança jurídica.

No entanto, isso não significa a eliminação de um dos direitos colidentes, mas sim uma solução harmonizadora dos elementos conflituosos, de modo a que todos sobrevivam, embora um reste limitado, pois a concessão da Tutela Antecipatória antes da citação do réu, não estará impedindo o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa, mas, apenas e tão somente, postergando o seu exercício para uma fase posterior do processo, quer seja através da interposição do recurso cabível contra a concessão da tutela, quer seja através da plena utilização de todos os meios e instrumentos legalmente admitidos para a defesa processual, tanto que o par. 5o , do art. 273 do Código de Processo Civil diz o seguinte:

“par. 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.”

Daí a acertada lição de Luiz Orione Neto e de Antônio Cláudio da Costa Machado:

“O que ocorre nos casos de liminares inaudita altera pars é que o contraditório é postergado para permitir a efetividade da tutela havendo apenas uma limitação imanente191 ao princípio da bilateralidade da audiência, ou seja, aparte intervém posteriormente no processo com a apresentação de sua defesa, podendo, como já dito, recorrer da medida liminar concedida sem sua participação.” (Luiz Orione Neto, Liminares no Processo Civil, Ed. Lejus, 1999, p. 68)

De fato, à luz dessas considerações, parece inegável que a instituição da tutela antecipatória, além de representar o estrito cumprimento do dever imposto ao legislador ordinário de construir o “justo” e “devido” processo, significa no plano nuclear da garantia a prevalência do valor “efetividade” sobre o valor “segurança jurídica” toda vez que esta se revele prescindível em razão de circunstâncias como o do “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação” ou do “abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu” (incs. I e II, do novo art. 273).” ( Antônio Cláudio da Costa Machado, Tutela Antecipada, Ed. Oliveira Mendes, 1998, p. 65)

Inobstante essas constatações, analisando-se as diversas formas das tutelas jurisdicionais diferenciadas, instituídas  para propiciar a efetividade processual e a completa tutela dos direitos, através de instrumentos mais efetivos à solução da lide ou da adoção de mecanismos de agilização da prestação jurisdicional, dentre as quais destacam-se o mandado de segurança, o habeas corpus, a ação popular, a ação civil pública, o mandado de injunção, o habeas data, tem-se que, na utilização desses institutos jurídicos, a concessão da liminar  “inaudita altera pars” não tem encontrado a mesma objeção de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, que é imputada à Antecipação da Tutela, de modo que, uma vez que a Tutela Antecipatória é apenas mais uma forma de tutela jurisdicional diferenciada, visando apenas à agilização da prestação jurisdicional, não existe razão para que lhe sejam impostas restrições vencidas e inaplicáveis aos demais casos de concessão de liminares “inaudita altera pars”, como já afirmou o mestre Galeno Lacerda nos idos de 1984, à pp. 340, 341 e 342, dos Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo I, Vol. VIII, Editora Forense:

“...Em qualquer hipótese, torna-se possível a liminar antes da citação específica para o processo cautelar.

(...)

Registre-se que a possibilidade de liminar sem audiência da parte contrária não constitui característica exclusiva das ações cautelares. Como demonstração da tese quanto à presença difundida desse meio de tutela imediata de direitos e interesses, encontramo-la, autorizada no próprio Código Civil contra o esbulho possessório (art. 506); nas desapropriações, a facultar a imissão prévia na posse (arts. 15 do decreto-lei n. 3.365, de 21.6.41; 19, par. 2o, b, do Estatuto da Terra; 4o do Decreto-lei n. 422, de 21.1.69)...”

Logo, no que diz respeito à Tutela Antecipada, a limitação imanente ou flexibilização do princípio do contraditório, além de ser lógica e sistematicamente admissível, deve estar presente neste instituto por um valor superior a tudo isso, que é a realização efetiva e uma melhor distribuição da justiça, vez que, devido aos entraves positivistas, essa discussão jurídica encontra-se de sobremaneira escassa no Brasil.

 

III - DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA COMO UMA LIMINAR POR EXCELÊNCIA:

 

Vencida a questão do princípio do contraditório e da ampla defesa, cumpre, neste ponto, analisar a argumentação constante do r. Acórdão, ora comentado, no sentido de que não se deve conceder a Tutela Antecipatória “inaudita altera pars”, haja visto que, somente “...permite-se a concessão de medida liminar, desde que haja autorização expressa do legislador...”,  e também que, “a antecipação da tutela só se tornará viável, em princípio,    após os contraditório, porque nem se confunde com as medidas liminares e nem existe previsão de sua concessão sem contraditório”.

Frente a isto, deve-se, preliminarmente, estabelecer o conceito de “liminar”, pois é a partir desta conceituação que restará demonstrado o equívoco na argumentação de que, em sede da Tutela Antecipatória, prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, o legislador não autorizou expressamente a concessão “inaudita altera pars”, como o fez por ocasião do art. 461, par. 3o do mesmo diploma legal, de modo que isso viria a impossibilitar a Tutela Antecipatória (art. 273, do CPC) antes de realizada a citação do réu.

Neste diapasão, tem-se que:

“Liminar, segundo registra De Plácido e Silva, deriva do Latim liminaris para significar tudo o que se faz inicialmente, em começo: ‘quer exprimir desde logo, sem mais tardança, sem qualquer outra coisa’.1

Anota J. Cretella Júnior que liminarmente é advérbio a significar ‘de maneira liminar, logo de entrada’. 2

(...)

Nesse sentido, v.g., Hamilton de Moraes e Barros a define como a entrega provisória e antecipada do pedido.3 De seu turno, Antônio Cezar Lima da Fonseca diz ser a liminar uma medida antecipadora dos efeitos futuros da sentença final.4 Ovídio ª Baptista da Silva fala em antecipação de alguma eficácia sentencial contida nas liminares.5 J. Cretella Júnior se refere à medida liminar como providência anterior, que se opõe a medida posterior. Providência liminar contrapõe-se a providência de mérito.6

Para Rodolfo de Camargo Mancuso, ‘as liminares, em qualquer tipo de processo, provocam uma antecipação, ainda que provisória, da tutela pretendida principaliter. Elas são como que uma retroprojeção da imagem que possivelmente será apresentada na sentença final; ou, ainda, antecipam para o momento cronológico em que são deferidos os efeitos que seriam próprios do provimento de fundo’.7(Luiz Orione Neto, Liminares no Processo Civil e legislação processual civil extravagante, Editora Lejus, 1999, pp. 7 e 8)

Por outro lado, a liminar apresenta como características inegáveis e reconhecidas doutrinariamente a urgência, a cognição sumária, a provisoriedade e a revogabilidade.

Logo, tomando-se em consideração o disposto no art. 273, caput do Código de Processo Civil, que assim se apresenta:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:” (grifou-se)

É forçoso reconhecer que, embora o texto legal não faça menção expressa ao termo “concessão liminar” ou “medida liminar”, não há como se poder negar que a Tutela Antecipatória prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, é uma liminar por excelência. Logo, se o art. 273, caput do Código de Processo Civil, ou qualquer de seus parágrafos não faz referência expressa ao termo “liminar”, isso decorre logicamente do fato de que, o texto legal, ao disciplinar a Tutela Antecipatória, estabeleceu para essa um conceito que corresponde exatamente ao próprio conceito de liminar.

Inobstante a isso, o novel instituto apresenta todas as características que a doutrina imputa à medida liminar, uma vez que:

a) a urgência está expressamente consignada como requisito para a concessão da Tutela Antecipatória com base no art. 273, inc. I do Código de Processo Civil, haja vista que este inciso está fundado sobre o “periculum in mora”;

b) a cognição sumária faz parte da natureza intrínseca da Tutela Antecipatória, pois uma vez visando a agilização da prestação jurisdicional e sendo mais uma forma de tutela jurisdicional diferenciada, se estiver condicionada à cognição axauriente por parte do juiz, estará fadada ao insucesso, restando totalmente inócua e sem qualquer utilidade prática;

c) a provisoriedade e a revogabilidade, apresentam-se disciplinadas de forma incontestável no par. 4o, do art. 273 do Código de Processo Civil.

Outro ponto relevante no que se refere à possibilidade de concessão da Tutela Antecipatória prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, de forma “inaudita altera pars”, diz respeito a uma simples questão de hermenêutica jurídica, assim, sendo certo no direito brasileiro que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5o, inc. II da Constituição Federal), não menos correto é que “tudo aquilo que a lei não veda expressamente, será permitido” e, ainda que, segundo consigna expressamente Luiz Orione Neto “...onde a lei não distingue, não é lícito ao interprete fazê-lo.”

Dessa forma, mesmo que se admitisse como verdadeiro o raciocínio de que o legislador não autorizou a concessão da Tutela Antecipatória “inaudita altera pars”, isso não teria o condão de impossibilitar essa tomada de atitude por parte do juiz, haja vista que em nenhum momento do caput  do art. 273, ou em qualquer dos incisos e parágrafos desse artigo do Código de Processo Civil, verifica-se alguma vedação legal à concessão “inaudita altera pars” da Antecipação da Tutela, não havendo, portanto, qualquer prefixação ou limitação do momento adequado para a concessão da antecipação.

Portanto, com a devida vênia, também não merece prosperar o impedimento de concessão “inaudita altera pars” da Tutela Antecipatória, prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, sob o pálio de que o legislador não a autorizou expressamente, pois, como restou demonstrado anteriormente, esse entendimento decorre de uma interpretação errônea tanto no aspecto gramatical, como sistemático, teleológico e analítico do novel instituto, de modo que nesse sentido tem-se posicionado a doutrina pátria.

“Tão logo requerida antecipação, o juiz a apreciará, inaudita altera parte ou após audiência do réu. Não é obrigatória prévia audiência da parte contrária, nem sua citação.59(Araken de Assis, Antecipação da Tutela, Aspectos polêmicos da Antecipação de Tutela, Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 30).

“A lei não prefixou, rigidamente, o momento adequado para a antecipação de tutela. Nada impede, portanto, que seja postulada na inicial, cabendo ao juiz apreciá-la antes ou depois da citação do réu, conforme sua maior ou menor urgência.

(...)

Com efeito, a providência de que se cuida pertence ao grande campo das medidas liminares já conhecidas e adotadas de longa data em nosso processo civil e que sempre admitiram deferimento in limine litis. O que fez o art. 273 do CPC, em seu novo texto, foi simplesmente criar uma previsão genérica para essa modalidade de tutela, que, assim, deixou de ser apanágio apenas de alguns procedimentos especiais para converter-se em remédio utilizável em qualquer processo de conhecimento, ordinário, sumário ou especial, desde que presentes os requisitos traçados pelo novo dispositivo de lei.”(Humberto Theodoro Júnior, Tutela Antecipada, Aspectos polêmicos da Antecipação de Tutela, Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 197)

“Da forma como se encontra redigido o caput do art. 273, parece bastante claro que o dispositivo não quis limitar o momento do pedido de antecipação ao da petição inicial, tanto que no texto não se encontra qualquer referência à concessão de liminar como dissemos há pouco. Mas existe uma forte razão para isso. É que a figura da antecipação se coloca numa perspectiva única que é a da sentença final, ou seja, o que ela permite é a outorga de uma providência antes da decisão final de mérito (que lhe antecipe os efeitos fáticos) sem qualquer limitação no plano temporal, exceto o proferimento da própria sentença pelo juiz. Se há um limite, ele está numa perspectiva futura (proferida a sentença já não cabe antecipação pelo órgão monocrático) e não numa perspectiva passada, o que significa que desde a petição inicial até as razões finais é lícito pedir a antecipação.

(...)

O que queremos dizer é que, em face do perfil teleológico da figura da antecipação da tutela - identificado pela idéia do que chamaríamos de ‘permanente antecipabilidade’-, não seria mesmo possível ao texto do caput fazer qualquer alusão à ‘medida liminar’, porque isto significaria afronta à sua razão de ser e desvirtuamento do seu objetivo. A antecipação da tutela, mesmo a só fundada no inciso I, é algo muito mais amplo do que apenas uma medida liminar, mas é evidente que dentro da sua amplitude essencial, obviamente se encontra a medida concessível initio litis.

(...)

Por fim, resta dizer que dentro do próprio CPC existem outros textos que reconhecem a exist6encia de medidas liminares sem utilizar termos explícitos neste sentido, o que afasta a idéia de qualquer possível insuficiência textual da disposição contida no remodelado art. 273. São exemplos de textos legais não explícitos os constantes dos arts. 858 (arrolamento cautelar) e, 889, par. Ún. (‘outras medidas provisionais’) do estatuto processual civil.” (Antônio Cláudio da Costa Machado, Tutela Antecipada, Editora Oliveira Mendes, 1998, pp. 45, 46 e 47)

“Do exposto, é lícito concluir que a antecipação de tutela é a liminar por excelência. E se a antecipação é a liminar por excelência, não há como refutar a assertiva de que a concessão in limine litis e inaudita altera pars é inerente e congênita ao instituto da tutela antecipatória, porque ela representa a genuína liminar.” (Luiz Orione Neto, Liminares no Processo Civil e legislação processual civil extravagante, Editora Lejus, 1999, p. 132)

 

IV - A NECESSIDADE DE COGNIÇÃO SUMÁRIA NA TUTELA ANTECIPATÓRIA:

 

Derradeiramente, mas não menos importante, cumpre enfrentar o argumento do magistral J.J. Calmon de Passos, trazido à baila pelo eminente Des. Salvador Pompeu de Barros Filho, afirmando que:

“Inexiste possibilidade de antecipação da tutela, no processo de conhecimento, antes da citação do réu e oferecimento de sua defesa ou transcurso do prazo para ela previsto. Destarte, contestado o feito, ou providências preliminares a serem tomadas, e antes delas serem cumpridas impossível a antecipação (o processo está em fase de regularização), inclusive quando consistirem no que prevêem os arts. 326 e 327 do CPC, ainda quando nada obste postule também, o autor, no momento em que fala sobre as preliminares argüidas pelo réu, em peça autônoma, com a fundamentação adequada, a antecipação da tutela.

(...)

A instrução é possível, ainda quando me pareça de difícil configuração. O pressuposto da antecipação - prova inequívoca da alegação - tem que necessariamente dizer respeito à prova já existente nos autos; o abuso do direito de defesa, por igual, só pode ser deduzido em cima do que nos autos consta; o mesmo no tocante ao procedimento protelatório.”

Como restou consignado anteriormente, a Tutela Antecipatória figura entre aquelas medidas denominadas processualmente de tutelas jurisdicionais diferenciadas, sendo que, a diferença dela, para as demais formas tradicionais de tutelar direitos é a sua natureza e objeto.

Diante disso, a reforma introduzida no Código de Processo Civil, além de visar à simplificação, esclarecimento e corrigir defeitos evidentes do ordenamento jurídico processual, implementou modificações substanciais no sistema processual brasileiro através da inserção de novos institutos, tais como o Agravo de Instrumento com efeito suspensivo, a Ação Monitória e Antecipação de Tutela.

Neste contexto, conforme o que foi apresentado anteriormente,  a Tutela Antecipatória configura-se como uma medida liminar, que se concretiza através de uma decisão interlocutória com natureza satisfativa, visando à realização imediata da pretensão da parte através da antecipação dos efeitos da futura sentença de mérito.

Logo, a Antecipação da Tutela exerce papel preponderante na ordem processual brasileira, possibilitando de forma abrangente, ainda que liminarmente, a antecipação dos efeitos da sentença no bojo do processo de conhecimento, sem estar restrita e limitada, como ocorria anteriormente a reforma processual de 1994, apenas para os casos em que o legislador previa a antecipação em procedimentos especiais, como no caso das ações possessórias, embargos de terceiro, mandado de segurança, ação popular, ações locatícias, dentre outras.

Portanto, a Tutela Antecipatória representa a resignação do sistema processual brasileiro, uma vez que, sendo esse alvo de severas críticas, levando, inclusive, a prestação jurisdicional ao descrédito, possui, a partir de 1994 um instrumento eficaz e ágil para a melhor distribuir o ônus temporal do processo e garantir a realização da justiça.

Logo, uma vez que a Antecipação da Tutela presta-se à agilização da prestação jurisdicional, de acordo com o que já foi dito, para que possa concretizar esse objetivo, deve-se respeitar um dos requisitos essenciais para a concessão de liminares que é a possibilidade cognição sumária, pois, como isso faz parte da natureza intrínseca da Tutela Antecipatória, se ficar dependente da cognição axauriente por parte do juiz, estará fadada ao insucesso, restando totalmente inócua e sem qualquer utilidade prática.

Frente a isso, não há como prosperar o entendimento esposado no r. Acórdão ora comentado, pois caso seja admitido o raciocínio lógico e gradativo do mestre J.J. Calmon de Passos, chegar-se-á  à conclusão de que a Tutela Antecipatória só pode ser conferida após o encerramento completo da fase instrutória do processo de conhecimento, ou, quando muito, a sua concessão somente será admitida após o cumprimento das preliminares argüidas em contestação, o que data venia, não vem de encontro com os objetivos do novel instituto da Antecipação da Tutela, contribuindo apenas para desnaturar e aniquilar as pretensões e objetivos da reforma do Código de Processo Civil.

 

V - CONCLUSÃO:

 

No transcorrer de sua história, a humanidade, além de procurar garantir a sua subsistência, tem procurado, a qualquer custo, criar meios de controle, regulamentação, prevenção e solução para os conflitos sociais decorrentes da diversidade de fatores de ordem subjetiva e objetiva que perfazem a conduta de cada indivíduo na vida comunitária, de modo que, a importância desses meios ressalta não só na realização da vontade subjetiva dos indivíduos, como também, objetivamente, nas relações entre as pessoas, afetando, dessa forma, a sociedade como um todo.

Neste contexto, o processo, sendo o instrumento do qual se serve a função jurisdicional do Estado para atuar na solução dos conflitos de interesses, em substituição à “justiça privada”, permite a compreensão e a afirmação de que, o processo é, sem dúvida alguma, muito mais do que um mero instrumento a serviço da jurisdição, mas também, um elemento de relevante importância na garantia da “paz social”, pois, é através dele que assegura o acesso à justiça nos termos preconizados pelos princípios do direito e pela Constituição Federal, no seu art. 5o, inciso XXXV.

Frente a isto, e, levando-se em consideração tudo mais que foi anteriormente exposto, não há como se poder negar, que o processo deve assegurar, de forma ampla e irrestrita, o exercício do direito de ação, bem como uma prestação jurisdicional que venha ao encontro dos anseios da sociedade, sendo que, nos tempos atuais, isto passa, necessariamente, pela criação de institutos processuais que possibilitem a realização segura, eficaz e ágil, da pretensão levada à juízo pela parte, como é o caso da Antecipação da Tutela.

A Antecipação da Tutela exerce um importante papel no ordenamento jurídico nacional, no sentido de que, evita um dano irreparável ao direito em debate, realizando uma distribuição equânime da demora temporal do processo, que se dá, principalmente, através da incontestável possibilidade de sua concessão “inaudita altera pars”.

Logo, os argumentos de que a concessão da Antecipação da Tutela “inaudita altera pars”  viria a afrontar o princípio do contraditório, não está autorizada expressamente pelo ordenamento jurídico e que só seria possível após uma cognição exauriente por parte do Magistrado, com a devida vênia, não merecem prosperar, pois, além de restar incontinentemente demonstrada a sua inconsistência no corpo do presente trabalho, caso fosse acatado esse posicionamento, estar-se-ia relegando a segundo plano o princípio da inafastabilidade do poder judiciário, consignado expressamente no art. 5o, inciso XXXV da Constituição Federal, pois, uma vez que o Estado, chamou para si a responsabilidade e a competência para exercer a função jurisdicional, deve assegurar que  não apenas o direito de Ação seja amplo e irrestrito, mas, principalmente, que no bojo da relação processual, a pretensão das partes não fique dependente e submetida à demora na efetiva prestação jurisdicional.

Assim, em que pesem as opiniões em contrário, as restrições doutrinárias ou instituídas em Lei da concessão da liminar de Antecipação da Tutela “inaudita altera pars”, afronta cabalmente as disposições legais expressas e os princípios do ordenamento jurídico brasileiro.

Neste sentido, posiciona-se com clareza LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA:

“Surge, portanto, a seguinte indagação: as restrições às liminares são compatíveis com a Lei Ápice em vigor?

A resposta negativa merece prevalecer.

A Constituição Federal, em seu art. 5o, inc. XXXV, contém um de seus princípios mais importantes: o da inafastabilidade do controle jurisdicional.

Com efeito, de nada valeria assegurar direitos aos indivíduos se eles não dispusessem de um meio para proteger ou resgatar tais prerrogativas quando elas estivessem ameaçadas ou violadas.

Necessário se faz salientar que o princípio restou reforçado pelo Constituinte de 1988, uma vez que a defesa da ‘ameaça de direito’ passou a ser expressamente prevista no novo texto.

Como é do nosso conhecimento, o ordenamento jurídico pátrio veda a autotutela privada (salvo raríssimas exceções, como a autodefesa - art. 502,CC), de maneira que o Estado deve colocar à disposição da comunidade todos os instrumentos imprescindíveis à eficaz proteção do direito.

(...)

Dessa forma, o princípio insculpido no art. 5o, XXXV, CF, deve ser compreendido não só como o direito à ação, mas também à tutela jurisdicional adequada, de maneira que a limitação de liminares viola o preceito.” (Luiz Alberto Gurgel de Faria, A limitação das liminares: violação à lei maior, Revista dos Tribunais-755, setembro de 1998, 87o ano, pp. 124 e125)

Com efeito, a concessão da Antecipação da Tutela “inaudita altera pars” não é apenas possível no direito brasileiro, como também desejável e útil. Porém, cumpre esclarecer, que a possibilidade desta concessão “initio litis” não tem o condão de proporcionar a arbitrariedade e a ilegalidade na utilização do novel instituto. Logo, a concessão da Tutela Antecipatória antes da citação do réu, além de respeitar os requisitos gerais da medida satisfativa, quais sejam, o pedido da parte, a demonstração da existência de prova inequívoca e da verossimilhança da alegação e a reversibilidade dos efeitos da medida antecipada, exige, ainda, cautela redobrada por parte do Magistrado, para que se evite o “periculum in mora in verso” para o réu e venha a ser transformada  a natureza satisfativa da Tutela Antecipatória, em instrumento de rompimento e destruição indevido do equilíbrio no processo judicial.

Em decorrência disto, embora discorde-se da conclusão impeditiva do eminente Des. Salvador Pompeu de Barros Filho em relação a concessão “inaudita altera pars” da Antecipação da Tutela, deve-se dizer que é totalmente plausível a observação constante no r. Acórdão ora comentado, no sentido de que:

“Para essa concessão, que é muito mais séria e de muito mais responsabilidade que a de uma liminar cautelar, deve existir a verossimilhança da alegação que se busca em juízo, devendo o julgador cercar-se de cautelas para evitar a transformação do instituto em monstro processual que quebra todas as regras jurídicas erigidas em defesa dos litigantes.”

Em consonância com esse entendimento, apresentam-se as lições do mestre Luiz Orione Neto, que, baseando-se em Luiz Guilherme Marinoni e José Roberto dos Santos Bedaque, consigna o seguinte:

“Nesse contexto, a conclusão que nortear o juiz no caso concreto é a seguinte: a tutela antecipatória não poderá ser concedida quando puder causar um dano maior do que aquele que pretende evitar, vale dizer, ainda que provável o direito do autor, não se admite a antecipação de efeitos que impliquem dano irreversível a valores mais relevantes da parte contrária” (Luiz Orione Neto, Liminares no Processo Civil e legislação processual civil extravagante, Editora Lejus, 1999, p. 174)

Ademais, as observações em relação à cautela do Magistrado na verificação da existência dos requisitos legalmente exigidos para a concessão de Tutela Antecipatória, não têm o condão de impossibilitar e inviabilizar a concessão “inaudita altera pars” da medida antecipatória, pois não é admissível que a prudência na atividade jurisdicional venha a servir de fundamento para desnaturação do brilhante instituto da Antecipação da Tutela, como pretende transparecer o r. Acórdão ora comentado, ao afirmar que:

“É evidente que, em casos especialíssimos, devidamente comprovados, como naqueles necessários à vida e à saúde, em respeito à pessoa humana, poderá haver uma antecipação inaudita altera pars, ainda que parcial. Mas repito, em casos especialíssimos, e só neles. No comum a antecipação só será viável após o contraditório, em respeito e em homenagem à regra constitucional.”

Assim, as condições de extrema urgência e casos especialíssimos como os citados no r. Acórdão, não dizem respeito à possibilidade ou não da concessão da Tutela Antecipatória “inaudita altera pars”, mas sim à possibilidade de concessão da medida antecipatória nos casos em haja perigo de irreversibilidade dos efeitos fáticos do provimento, ou seja, a Tutela Antecipatória “inaudita altera pars”, conforme já frisado, é perfeitamente admitida no ordenamento jurídico brasileiro, desde que se encontrem presentes os elementos exigidos em Lei, dentre os quais se destaca, por oportuno, a irreversibilidade dos efeitos práticos do provimento.

Logo, nos casos de urgência e especialíssimos, ainda que os efeitos práticos da medida satisfativa venham a ser irreversíveis, desrespeitando-se, portanto, o que determina o art. 273, par. 2o ,,será possível a sua concessão, devido as peculiaridades do caso.

Sobre esse tema assevera Luiz Orione Neto:

“Na verdade, em muitas situações, não só a concessão, como também a denegação de uma liminar pode acarretar prejuízos irreversíveis.

Por conseguinte, admitir que o juiz não pode antecipar a tutela, quando a antecipação é imprescindível para evitar um prejuízo irreversível ao direito do autor, é o mesmo que afirmar que o legislador obrigou o juiz a correr o risco de provocar um dano irreversível ao direito que justamente lhe parece mais provável.

(...)

A rigor, não pode haver processo sem contraditório. Mas é perfeitamente viável a possibilidade de concessão de liminar de tutela antecipada sem contraditório, que pode ser postecipado para permitir a efetividade da tutela dos direitos. E a irreversibilidade - nesses casos extremos - é corolário da concessão da liminar de antecipação de tutela, sendo manifestação do princípio da efetividade da jurisdição, insculpido no art. 5o, inc. XXXV, da Constituição Federal.” (Luiz Orione Neto, Liminares no Processo Civil e legislação processual civil extravagante, Editora Lejus, 1999, pp. 171 e 172)

Finalmente, faz-se necessário informar que a Tutela Antecipatória prevista no art. 273, caput, do Código de Processo Civil, desde que estritamente observados os elementos da prova inequívoca conducente à verossimilhança da alegação, pode ser concedida com base nos incisos I ou II desse mesmo artigo. Porém, embora esses dois incisos sejam espécies do gênero Tutela Antecipada, quando se trata da concessão “inaudita altera pars” da liminar, ressalta uma importante distinção entre esses dois fundamentos de concessão da medida antecipatória, haja visto que, como restou explicitado anteriormente, a liminar possui como características a urgência, a cognição sumária, a provisoriedade e a revogabilidade.

Observando-se o que dispõe o art. 273, inc.I e II do Código de Processo Civil, tem-se que:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”

Assim, a concessão da Tutela Antecipatória com base no inciso I do art. 273 do Código de Processo Civil tem como fundamento a urgência agônica de que venha a ocorrer dano irreparável ou de difícil reparação ao pedido levado a efeito pelo autor, ao que se chama de “periculum in mora”.

O legislador, reconhecendo, também, que a demora processual decorrente de resistências dilatórias por parte do réu, causa danos tão profundos ao direito do autor, quanto o perigo na demora, com o intuito de inibir o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu, permitiu a concessão da Tutela Antecipatória nos termos do art. 273, inc. II do Código de Processo Civil, que tem como fim precípuo regular a desmedida preocupação processual com o direito de defesa, em detrimento do direito do autor.

Percebe-se, portanto, que o fundamento da concessão da Tutela Antecipatória com base no inc. I, do art. 273 do CPC, é a urgência da medida para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, enquanto que o inc. II do mesmo artigo visa reprimir uma conduta abusiva por parte do réu, prescindindo, assim, dos elementos urgência e dano, tanto que é chamada doutrinariamente de Tutela Antecipatória Pura, visto que desprovida do requisito “periculum in mora”.

Logo, uma vez que a concessão da Tutela Antecipatória  é uma espécie do gênero liminar, para que seja possível a sua concessão faz-se necessária a demonstração da urgência na obtenção da liminar, no entanto, o legislador excepcionou essa regra permitindo a concessão da Tutela Antecipatória prevista no inc. II, do art. 273 do Código de Processo Civil, ainda que desprovida do elemento “periculum in mora”. Contudo, embora permitida a concessão liminar da Antecipação da Tutela, afigura-se difícil a sua concessão “inaudita altera pars”, pois, uma vez que o art. 273, inc. II, visa uma punição à conduta processual do réu, isso só será possível de ser verificado, após a formação da relação processual, que ocorre com a citação válida da parte adversa.

Dessa forma, a concessão da Tutela Antecipatória “inaudita altera pars” é perfeitamente admissível no ordenamento jurídico brasileiro, desde que fundamentada no inc. I, do art. 273 do CPC, tendo em vista que, o inc. II deste mesmo artigo, além de não estar fulcrado sobre o elemento urgência, a sua constatação e o seu objetivo só podem ser verificados no transcurso da relação processual, restando, portanto, dependente da citação da parte contrária.

Explicitando esse entendimento, tem-se as lições de Antônio Cláudio da Costa Machado:

“Como se sabe, o abuso de direito ou propósito protelatório é fundamento completamente autônomo em relação ao periculum in mora, haja vista a presença da disjuntiva ‘ou’ no final da disposição textual do inciso I do art. 273. Em outras palavras, o autor tanto pode requerer a antecipação por causa de perigo, como por causa do comportamento processual reprovável do réu, de sorte que a regência do caput jamais poderia prever medida que só se enquadrasse em um das duas previsões regidas. E como o abuso do direito de defesa e propósito protelatório sempre dependem do réu ter sido citado a apresentado reposta, jamais seria possível pensar que o caput previsse expressamente medida liminar.” (Antônio Cláudio da Costa Machado, Tutela Antecipada, Editora Oliveira Mendes, 1998, pp.  46 e 47)

 

BIBLIOGRAFIA:

 

ASSIS, Araken de. “Antecipação de tutela”,  in Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, Coord. Tereza Arruda Alvim Wambier, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1997.

COSTA MACHADO, Antônio Cláudio da. Tutela Antecipada, 2o. ed., São Paulo, Editora Oliveira Mendes, 1998.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil, 2o. ed., São Paulo, Editora Malheiros, 1995.

FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. A limitação das liminares: violação à Lei maior, RT 755/121.

FRIEDE, Reis. Tutela antecipada, tutela específica e tutela cautelar, 2o. ed., Belo Horizonte, Editora Del Rey, 1996.

LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil, VIII Vol., Tomo I, artos 796 a 812, 2o. ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 1984.

MARINONE, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela, 3o. ed., São Paulo, Editora Malheiros, 1996.

ORIONE NETO, Luiz. Liminares no Processo Civil e legislação processual civil extravagante, São Paulo, Editora Lejus, 1999.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo cautelar, 17o. ed., São Paulo, Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1998.

ZAVASKI, Teori Albino. Antecipação da tutela, São Paulo, Editora Saraiva, 1997.