Artigos Protegido pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998 - Lei de Direitos Autorais Sobre
o autor:
Divanir Marcelo de Pieri: é Advogado, Mestre em direito pela UNESP, campus de Franca, na área de concentração: Direito das relações sociais: direito das obrigações, sub-área de Direito Processual Civil. Especialista em Direito Civil pela UNISUL. Professor de Direito na UNIC unidade de Primavera do Leste-MT.
A ineficiência temporal e material da jurisdição A sociedade humana,
que é um conjunto de pessoas ligadas pela necessidade de ajudarem-se umas
às outras, a fim de que possam garantir a continuidade da vida e
satisfazer seus interesses e desejos, mais do que nunca, tem discutido a
questão da ineficiência material e temporal da função jurisdicional para
solucionar com agilidade, segurança, efetividade e justiça os casos
concretos que são levados ao seu conhecimento. No bojo desta discussão,
além de procurar-se constatar a origem, ou, as origens, deste vultuoso
problema brasileiro e mundial, deve-se procurar soluções para o embate.
Logo, para que isto possa ocorrer, faz-se necessário uma análise das principais causas do descompasso entre a atuação da função jurisdicional e a necessidade de satisfação dos interesses dos jurisdicionados. Assim, sendo o direito o conjunto de normas que procura regular os fatos e os relacionamentos dos homens em sociedade, tem-se que, de acordo com o conhecido brocardo latino ubi societas ibi jus, o direito só existe onde há sociedade, haja vista que, inegavelmente é do convívio social que surgem os conflitos de interesses que serão postos para a solução e ordenação do direito. Portanto, desde que exista sociedade, haverá conflitos de interesses a serem solucionados e insatisfações a serem corrigidas pelo direito. Percebe-se, assim, que a função do direito pode ser sintetizada como a de ordenar, solucionar e controlar a sociedade, para que, os conflitos de interesses que venham a surgir, possam ser solucionados da forma mais breve e ágil possível, a fim de que as conseqüências danosas destes conflitos possam ser atenuadas. Ocorre, porém, que desde os primórdios da sociedade humana, as soluções destes conflitos de interesses nunca se apresentaram como uma tarefa fácil a ser cumprida, tanto que, o pêndulo do exercício da função pacificadora e solucionadora dos conflitos, sempre oscilou entre a atuação dos próprios particulares (justiça privada) e a avocação do Estado para agir através da função jurisdicional (justiça pública). A comunidade jurídica sempre procurou meios para solucionar os conflitos de interesses, sendo que, o desenvolvimento e a teorização destes instrumentos pacificadores estiveram sempre atrelados com o momento histórico vivido. Assim, a diversidade de meios solucionadores dos conflitos corresponde à diversidade das situações que a vida humana pode oferecer, pois a sociedade complexa e cada vez mais sofisticada no relacionamento exige de todos os indivíduos a busca dos bens necessários à sua existência e ao seu desenvolvimento[1]. Desta forma, a tão comentada “crise da justiça”, que incide diretamente na necessidade de atenuar a demora da entrega da prestação jurisdicional, através de maior agilidade, efetividade e garantia de acesso ao Poder Judiciário, apresenta, no âmago da questão, a diversidade e rapidez com que surgem os novos conflitos de interesses, devido às novas formas de relacionamento social, político, cultural e econômico entre os homens. A sociedade não é
inerte, ela está em constante mutação, sendo que, um exemplo disto é a sua
transformação de agrária, paternalista e individualista, presenciada em
tempos passados, para urbana, massificada e com responsabilidade social
dividida, conforme se apresenta nos dias atuais[2]. Em decorrência desta
constante transformação social e do surgimento de novas formas de
relacionamentos entre os homens, os conflitos de interesses a serem
solucionados pela função jurisdicional têm tomado novo vulto tanto
quantitativo, como qualitativo, pois além do número de conflitos a ser
decidido vir aumentando de forma rápida e proporcional ao aumento
populacional, tem-se, também, que os conflitos de interesses deixaram de
envolver, em grande parte, apenas os interesses individualizados e
estanques, para passarem a atingir os mais diversos interesses da
coletividade como um todo. A crise atual do
funcionamento da função jurisdicional envolve, portanto, o total
descompasso e a falta de capacidade do Estado para dotar os meios de
regulação social tradicionais com mecanismos que possam acompanhar a
rapidez e a diversidade com que os problemas modernos da sociedade se
apresentam[3].
Neste contexto, deve
ser ressaltada como uma das principais caracterizadoras do rápido
surgimento destes problemas a globalização econômica, social, política e
jurídica que é presenciada em nossos dias, vez que, depois de realizada a
integração dos mercados, vive-se, agora, os desdobramentos institucionais
e jurídicos da globalização[4],
que passou a alterar não só a produção das normas, como também a sua
legitimidade gerando, desta forma, a internacionalização do direito
nacional. Ao lado da
globalização, que, por si só, demonstra a necessidade do jurista e do
direito evoluírem de forma sistematizada para que as normas produzam, após
serem interpretadas e aplicadas, efetivamente o bem-estar do cidadão,
deve-se colocar que a proteção ao consumidor, ao meio ambiente, ao
paisagismo, à criança e ao adolescente, também serve como exemplos para
demonstrar os novos campos com que o direito e o jurista devem
preocupar-se nos dias atuais. Portanto, é
indiscutível que os conflitos de interesses, sejam eles tradicionais
(“antigos”) ou decorrentes do desenvolvimento das relações humanas
(“novos”), precisam ser eliminados do convívio social, através da função
jurisdicional ou da atuação dos próprios particulares.
Contudo, para que isto
ocorra de forma satisfatória, os meios para solução dos conflitos de
interesses colocados à disposição dos jurisdicionados necessitam ser
reformulados, pois se tem apresentado totalmente ineficazes no campo
pragmático[5]. Logo, como o direito
brasileiro, oficialmente instituído, está forjado no positivismo,
obedecendo-se o Estado de Direito, tem-se que buscar, por meio de uma
legislação eficaz, vigente, válida e legítima, a realização efetiva do que
está previsto no art. 5o inc. XXXV da Constituição Federal,
haja vista que, caso contrário, a lesão ou a ameaça a direito não estará
apenas sendo excluída da apreciação do judiciário, como também
proporcionada pelo próprio sistema deficitário e lento que está colocado à
disposição dos jurisdicionados para a satisfação dos seus interesses e
solução dos conflitos[6]. Por outro lado,
deve-se ressaltar, também, que a evolução do Estado brasileiro, que passou
de um regime ditatorial, autoritário e paternalista, para um Estado
baseado na Democracia e no Estado de Direito, ou seja, consubstanciando-se
em um Estado Democrático de Direito, torna imprescindível o dever de
realização do princípio democrático como garantia geral dos direitos dos
cidadãos e a garantia da sua ampla participação no processo decisório das
questões estatais, haja vista que, a relação entre os cidadãos e o poder
constituído sofreu uma visível modificação, pois como o Estado absorveu
para si a função jurisdicional e legislativa, autodenominando-se um Estado
Democrático de Direito, deve garantir, inicialmente, que todos os direitos
previstos pelo ordenamento jurídico tenham eficácia concreta e imediata,
de modo que, o Estado, como detentor da função jurisdicional, tem o dever
de garantir essa eficácia[7]. Desta forma, o modo
pelo qual o Estado adota suas decisões, ou seja, o instrumento para o
exercício da função jurisdicional deve ser participativo, garantido, na
prática, que os interessados influenciem eficazmente nas suas
decisões. Portanto, o
instrumento para a atuação da função jurisdicional, que é o processo, tem
que se adaptar a essas novas exigências sociais, políticas, jurídicas e
econômicas, para assegurar, concretamente, a tutela jurisdicional de todos
os direitos, durante o máximo de tempo de duração possível e com a maior
brevidade possível, uma vez que, a outorga de um direito de forma tardia
pode desnaturar o conteúdo e importância do direito concedido, causando
sérios prejuízos à parte. Destas exigências é que decorre a tão decantada Escola da Efetividade do Processo, pois, é princípio geral e constitucional vigente no ordenamento jurídico que a duração do processo não deve causar dano ao demandante que tenha razão, de modo que, “o Estado, ao estabelecer o monopólio da tutela jurídica processual proibindo aos particulares o exercício das próprias razões, assumiu o compromisso de dar adequada e efetiva tutela para cobertura das diferentes situações de vida”[8].
BIBLIOGRAFIA
CASTELO, Jorge
Pinheiro. Tutela Antecipada na
Teoria Geral do Processo, vol. I, LTR, São Paulo,
1999. FARIA, José Eduardo
(org.). Direito e globalização
econômica-implicações e perspectivas. Malheiros Editores, São Paulo,
1998. GRECO, Leonardo. A execução e a
efetividade do processo. Revista de
Processo, São Paulo, nº 94,
abril-julho/1999. GRINOVER, Ada
Pellegrini. O processo em
evolução, 2ª ed., Forense Universitária, Rio de Janeiro,
1998. PAULA, Jônatas Luiz
Moreira de. Teoria Geral do
Processo. Ed. de Direito, Leme, 1999. ROTH, André-Noël. O direito em crise: fim do Estado moderno? In: FARIA, José Eduardo (org.).Direito e globalização econômica-implicações e perspectivas. Malheiros Editores, São Paulo, 1998. SLAIBI FILHO, Nagib. Devedor no Processo de Execução, Consulex, 1 (33). [1] SLAIBI FILHO, Nagib. Devedor no Processo de Execução, Consulex, 1 (33) : 37. [2] PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Teoria Geral do Processo. Ed. de Direito, Leme, 1999, p. 17. [3] Demonstrando com clareza este descompasso, ANDRÉ-NOËL ROTH afirma
o seguinte: “A interdependência
crescente dos países, desde o ponto de vista econômico, financeiro, assim
como a complexidade dos problemas novos (meio-ambiente) e a rapidez das
mudanças do transtorno, levaram quer à impossibilidade da seqüência desse
modo de produção e de aplicação das regras jurídicas, que r a uma crise do
direito. Crise que se reflete na dificuldade que tem o Estado para aplicar
seus programas legislativos, e no reconhecimento da existência de um
pluralismo jurídico. O Estado perde sua pretensão na detenção do monopólio
de promulgar regras. A internacionalização e maior mobilidade das empresas
comerciais e dos meios de produção permitem àqueles“ jogar ” com
facilidade e eficiência com as diferentes legislações nacionais. Uma das
conseqüências dessa “conversão” de bens “imóveis” em bens “móveis”, é o
afloramento da capacidade coativa do Estado.13 Agora cada
Estado tem que levar em consideração a situação internacional para
promulgar leis de caráter nacional, em setores cada vez mais numerosos (a
competição mundial, o problema de “eurocompatibilidade”, o GATT, etc.). O
recente caso da firma Hoover, que transferiu uma unidade de produção da
França para o Reino Unido, é um exemplo evidente desse
fenômeno. A conseqüência dessa evolução na técnica jurídica é uma maior flexibilidade do anterior caráter autoritário do direito e de sua dispersão em vários níveis de formulação. O direito nacional adquire de maneira ampliada a forma do direito internacional. A legislação nacional perde seu caráter detalhista para limitar-se a um direito mais geral e flexível (leis de bases, diretivas, leis de incitação, recomendações...), suscetível de engendrar uma particularização e uma privatização de regulação jurídica. Assistimos, de um lado, a um movimento de internacionalização do direito nacional em sua forma e, de outro lado, a um movimento de mudança, tanto no nível internacional, como também no nível infranacional e da esfera privada, da produção das normas e de sua legitimação”. ROTH, André-Noël. O direito em crise: fim do Estado moderno? In: FARIA, José Eduardo (org.). Direito e globalização econômica-implicações e perspectivas. Malheiros Editores, São Paulo, 1998, p. 21. [4] FARIA, José Eduardo (org.). Direito e globalização econômica-implicações e perspectivas. Malheiros Editores, São Paulo, 1998, p. 05. [5] Neste sentido deve-se ressaltar a lição do Prof. Dr. LEONARDO GRECO, dizendo o seguinte: A administração da Justiça também foi atingida por essa onda de revisão crítica, sob a inspiração do movimento chamado Acesso à Justiça, que rompeu o respeitoso silêncio que repelia qualquer debate a respeito da qualidade e da eficiência do Poder Judiciário, dos juizes, dos seus órgãos auxiliares e das suas normas de organização e de atuação, entre as quais as normas processuais. E a Justiça também foi atingida por essa onda de insatisfação, desvendando todas as suas deficiências e a correlativa impotência do Estado de superá-las, tendo em vista a imprevisível multiplicação do número de demandas, a obsolescência e falta de agilidade dos procedimentos e a carência de recursos materiais e humanos disponíveis para fazer frente a uma gama cada vez mais volumosa e complexa de questões. Se o Estado e a Justiça estão em crise, consequentemente o Processo, como instrumento de solução de conflitos e de administração estatal de interesses privados, também está em crise, pois o sistema jurídico e os ordenamentos positivos, engendrados pela sua teoria geral em mais de cem anos, tornaram-se incapazes de atender às exigências de rapidez e eficiência na entrega da prestação jurisdicional e de instaurar um verdadeiro diálogo humano capaz de satisfazer às aspirações democráticas infundidas na consciência jurídica dos cidadãos do nosso tempo. GRECO, Leonardo. A execução e a efetividade do processo. Revista de Processo, São Paulo, 94: 35, abril-julho/1999. [6] Neste sentido apresenta-se a lição de ADA PELLEGRINI GRINOVER: Tem sabor de lugar-comum a afirmação de que o crescimento do Estado moderno, com sua inevitável tendência ao intervencionismo, tem-no levado a um inchaço exagerado, inelutavelmente acompanhado de ineficiência crônica. Disso não se salva o Poder Judiciário, cada vez mais pesado em suas estruturas e menos ágil em seu desempenho. A sobrecarga dos tribunais, a morosidade dos processos, seu custo, a burocratização da justiça, a complicação procedimental, tudo leva à insuperável obstrução das vias de acesso à justiça e ao distanciamento cada vez maior entre o Judiciário e seus usuários. Acrescenta-se a tudo isso a profunda transformação da sociedade, em cujas relações de massa a interação social é cada vez mais intensa e atuante, seja em nível de conflitos clássicos intersubjetivos, multiplicando-os, seja em nível de novos conflitos metaindividuais, para os quais somente agora as estruturas processuais começam a dar uma incipiente resposta: e teremos, a completar o quadro de uma justiça que se tornou inadequada até para as controvérsias tradicionais, o desaparelhamento e a falta de resposta pronta e idônea para o os novos conflitos. GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução, 2ª ed., Forense Universitária, Rio de Janeiro, 1998, p. 21. [7] É importante ressaltar o que o Prof. Dr. LEONARDO GRECO leciona a este respeito: Estes dez anos de vigência da Constituição de 1988 foram extremamente fecundos na expansão e consolidação de uma nova consciência jurídica dos cidadãos, calcada primordialmente na efetividade dos direitos e garantias fundamentais constitucionalmente assegurados. Essa efetividade, consagrada no próprio Texto Constitucional (art. 5o, § 1º), espraia os seus efeitos por todos os ramos do Direito, particularmente pro aqueles que regulam as relações jurídicas entre o Estado e os particulares, que se despem do anterior perfil marcantemente autoritário e se humanizam para se tornarem instrumentos do livre desenvolvimento da personalidade. Transparência, participação democrática, presunção de inocência, devido processo legal, contraditório, publicidade, intimidade, ampla defesa, são algumas das expressões que se tornaram populares no nosso tempo, como representativas de regras mínimas de convivência social, essenciais para que todos os cidadãos vejam respeitada pelos demais e pelo próprio Estado a sua dignidade humana. A progressiva clarificação do conteúdo concreto de muitos desses conceitos e valores humanos, que está muito longe de ter-se completado, particularmente em nosso país, de atávica tradição autoritária e paternalista, fez-se acompanhar de um desgastante processo crítico de aferição da eficácia operativa das normas jurídicas, através de critérios políticos, econômicos, sociológicos e estatísticos que, não obstante muitas vezes polêmicos, definem a busca da construção de uma nova ordem jurídica que, respeitando o pluralismo inerente à sociedade moderna, dê a todos condições iguais de encontrar a própria felicidade e de exercer amplamente a própria liberdade sem pôr em risco a felicidade e a liberdade dos demais. GRECO, Leonardo. A execução e a efetividade do processo. Revista de Processo, São Paulo, 94: 34, abril-julho/1999. [8] CASTELO, Jorge Pinheiro. Tutela Antecipada na Teoria Geral do Processo, vol. I, LTR, São Paulo, 1999, p. 186. |